Valorizando o Valor
UM OUTRO HORIZONTE NO TREINAMENTO DE LIDERANÇAS
Conta-se que Carlos Alberto Parreira, técnico da seleção brasileira de futebol, naquela conversa de vestiário antes do jogo, entregou a camisa para Ronaldinho Gaúcho e disse: você é o homem do jogo!
Assuma a responsabilidade! E diz a realidade dos fatos que Ronaldinho entrou em campo, rendeu abaixo do seu normal, o meio de campo da Seleção não engrenou e o Brasil foi eliminado da Copa do Mundo. Conta-se também que Vanderlei Luxemburgo, técnico do Cruzeiro Cabuloso de Belo Horizonte em 2003, tendo perdido o jogo de ida para o Flamengo no final da Copa do Brasil e tendo perdido também a zaga titular para o jogo de volta no Mineirão, chamou no seu escritório um jogador do time júnior, com apenas 17 anos e sem nunca ter nem treinado com os profissionais. Quando o garoto chegou, viu em cima da mesa uma fralda de bebê e uma faixa de campeão… e ouviu do treinador o seguinte: na próxima quarta feira você será titular. Agora escolha como você quer sair de campo. E conta-se que aquele rapaz pegou a faixa de campeão e foi treinar. Ficou registrado na história que, nessa quarta feira, o Cruzeiro foi campeão da Copa do Brasil e esse garoto foi eleito o melhor jogador em campo, porque comeu até grama. Chamava-se Gladstone, esse garoto e teve sucesso na carreira. E agora, como a gente vai explicar por que Ronaldinho Gaúcho, então já eleito melhor jogador do mundo, experiente e acostumado a grandes decisões, murchou quando sentiu pressão… e aquele garoto Gladstone, sem experiência profissional, cresceu sob pressão! O Eneagrama ajuda a explicar, porque ao longo de milhares de anos, descobriu que os seres humanos são diferentes, reagem de modo diferente em situações semelhantes e cada um tem um botãozinho diferente que acende luzes diferentes quando apertado. É o óbvio… que teimamos em não ver. É esse óbvio que o Eneagrama ensina. Foi isso que a Cacique Pequena descobriu, maravilhada, fazendo movimentos no Símbolo do Eneagrama: o que eu acho mais importante é que ninguém ensina pra gente e nem a gente estuda nos livros – é um segredo que está dentro da gente. Gurdjieff dizia isso com outras palavras, a respeito do seu trabalho com Eneagrama: eu apenas digo que, quando chove, o chão fica molhado.
Os conceitos tradicionais de Liderança não sabiam disso. Talvez ninguém soubesse disso lá na antiga Mesopotâmia, nas planícies férteis entre os rios Tigre e Eufrates, quatro mil anos antes de Cristo, quando os povos nômades começaram a fixar-se e a transformar a natureza e então teria surgido a percepção do papel da liderança. Talvez, a partir daí e durante muito tempo, se tenha acreditado que o líder já nasce líder e é aquele chefe que as pessoas procuram porque possui autoridade e poder para comandar os demais. A própria origem da palavra líder, na língua viking, refere-se à ação típica daquele que comanda as embarcações e ensina o caminho a seguir. Talvez, ao longo dos tempos, esse conceito tenha sido usado para justificar que manda quem pode e obedece quem tem juízo. Talvez hoje ainda, mesmo falando de Liderança Servidora, se pretenda justificar o mesmo, com palavras politicamente corretas, mas sempre e ainda, dando sustentação ou legitimando relações de poder como dominação, controle, imposição ou dominação de uns e anulação de outros. Não vemos seres humanos… mas apenas Egos lutando com Egos. Mudam as palavras, mudam os slogans, mudam os organogramas – dizendo o velho com cara nova, de preferência em inglês… mas continuamos botando remendo novo em pano velho ou vinho novo em odres velhos, que vão rebentar. E sempre se acaba perdendo, o vinho e os odres. Porque continuamos querendo botar a pessoa dentro de uma forma e a forçamos a ficar onde ela não cabe. E queremos que o pé de manga dê goiaba e nos frustramos, conosco e com os outros… e até inventamos de fazer mudanças genéticas no pé de manga para que ele possa um dia dar goiaba. E até nos orgulhamos desses avanços de engenharia genética, caros, com certeza – para dar lucro a alguém, esquecendo que tínhamos ali, em algum lugar do viveiro, boas mudas de goiaba, que continuam lá, esquecidas e insignificantes, por não ter sido visto o seu valor.
Conta-se que Napoleão dividia seu exército em quatro tipos de pessoas: os Inteligentes com Iniciativa, os Inteligentes sem iniciativa, os burros sem iniciativa e os burros com iniciativa. Os primeiros, ele nomeava generais, os segundos eram designados oficiais, pois apenas precisavam ser inteligentes para entender as ordens e fazê-las serem executadas. Os terceiros eram colocados na frente de batalha, apenas executando as ordens recebidas. Aqueles que pertenciam à última categoria… bom, esses, ele expulsava do exército. A realidade de hoje, ou de sempre, parece que repete a mesma lógica do imperador francês. Treinamos habilidades e não desenvolvemos pessoas. Olhamos as pessoas a pela ótica do que elas vão entregar e queremos encaixá-las na engrenagem do sistema, como peças. Assim continua sendo em muitas organizações e, se na guerra dava certo porque o objetivo era matar, continuamos destruindo vidas em vez de cuidar de pessoas e despertar em cada uma o dom único que ela carrega. As pessoas são contratadas e quem as contrata tem o olhar fixo no resultado que se espera. Podemos usar uma linguagem bonita e slogans impactantes… mas a lógica de Napoleão permanece ditando a avaliação das pessoas e descartando pessoas e destruindo vidas. Alguns deles, bem treinados, são nomeados generais nas organizações… e talvez deixem de ser pessoas. Esquecemos o olhar de Einstein quando dizia que todo mundo é um gênio. Mas, se você julgar um peixe pela sua capacidade de subir em uma árvore, ele vai gastar toda a sua vida acreditando que é um estúpido. Encontramos, aí pelas instituições, tanta gente premiada e admirada, bem paga… e presa em algemas de ouro, frustrada e infeliz, vazia, sem sentido e sem ser gente.
Precisamos escolher entre uma cultura de chefes ou uma cultura de pessoas. Uma cultura onde o foco está no resultado e as pessoas são ferramentas… ou uma cultura onde a pessoa está no centro, com seus dons únicos a serem iluminados e colocados a serviço… e os resultados virão como transbordar natural de pessoas realizadas e felizes, que amam o que fazem e por isso fazem bem feito.
Novas Janelas
Mas há controvérsias. Tem gente querendo enxergar novos horizontes, por entender mais de gente, por causa do olhar com que olha as pessoas.
Etore Cavallieri é Presidente da Imetame, um grupo de empresas com sede em Aracruz-ES, empresas com alma. Deve ter sido numa de suas peregrinações solitárias pelo Caminho Santiago que ele intuiu essa janela de Valorizar o Valor. Dizia-se na Grécia antiga que quem pensa a curto prazo, cultiva cereais; quem pensa a médio prazo planta árvores e quem pensa a longo prazo investe em pessoas. Este homem pensa e sonha a muito longo prazo e suas empresas assumem como missão contribuir para as pessoas realizarem sonhos, tornando o mundo melhor.
As pessoas que embarcam no sonho dele também acreditam nisso. José Simonelli, portador de uma mente criativa e peregrino de viagens matemáticas, viajou na ideia de Valorizar o Valor e teve a intuição: a nossa experiência mostra que a ideia tradicional de desenvolver lideranças… não funciona. Se eu tiro os líderes de suas equipes e faço treinamento para eles, eu estou colocando peso nos ombros deles e eles não dão conta de fazer nada com isso. Além disso, estamos alienando as outras pessoas da equipe que, não sendo chamadas para participar dos treinamentos de liderança, sentem que não têm responsabilidade nas equipes. Precisamos treinar as pessoas dentro da equipe, umas com as outras… para cada uma Valorizar seu Valor dentro da equipe. Assim, tiramos peso das costas dos líderes e todas as pessoas se empoderam, por se apropriarem e apoderarem delas mesmas, e pela consciência do seu valor.
O mundo do futebol parece carimbar essa intuição: quando num time há um jogador-estrela que ganha muito acima dos outros, se a bola corre para a linha de fundo, os outros pensam, mesmo que não o digam: ele que corra… não está ganhando para isso?! É diferente quanto existe espírito de equipe e cada um veste a camisa e procura dar o seu melhor.
Ninguém empodera ninguém, é verdade… mesmo que seja da moda alguns acharem que empoderam ou desenvolvem pessoas. As pessoas se empoderam através do autoconhecimento, quando descobrem que o verdadeiro guru mora dentro delas e sabem o caminho das minas de ouro que nelas existem, tantas vezes ignoradas ou ocultas à plena vista.
Viajei nessa viagem. Aprendi a acreditar que não existem líderes… assim como quem acorda da ilusão do Papai Noel, do Coelhinho da Páscoa ou do sangue azul da Nobreza. Existem seres humanos. E o Eneagrama me ensinou a ver que os seres humanos são diferentes e que cada pessoa tem seus valores a serem garimpados e suas sombras a serem iluminadas. E essa tarefa é delas, apenas de responsabilidade delas, insubstituíveis nesse desafio. Existem pessoas, que assumem funções de liderança ou, talvez melhor, que são líderes, em primeiro lugar de si mesmas e que podem exercer essa liderança a partir de lugares interiores diversos. A viagem é para dentro e o caminho é pelas sombras. Por trás do líder existe um ser humano. E por trás de cada pessoa existe uma criança… que sente dor nos pés, como diz Leloup – e que, por isso, tem dificuldade de caminhar e manter-se de pé. Trabalhar lideranças é cuidar da criança divina e ferida que mora em cada pessoa. Todos são seres humanos e cada ser em si carrega o dom de ser capaz, de ser feliz. A descoberta do dom de ser capaz alimenta a felicidade, que transborda colocando a serviço a capacidade. Cada pessoa tem seu jeito próprio de ser líder, com luzes e sombras, por que liderar talvez seja afinal o jeito de olhar… a si mesmo, aos outros, ao mundo. Diz Howard Garden, o nome das Inteligências Múltiplas, que um ser humano ruim não poderá ser um bom colaborador. E quando o jornalista o contestou dizendo que conhecia algumas pessoas humanamente ruins que se tornaram executivos de sucesso… ele respondeu: por algum tempo!
Não dá para fabricar líderes com receitas de bolo, onde o bom líder é aquele que tem determinadas características que o mercado precisa. Estamos ainda na antiga Mesopotâmia dos quatro milênios antes de Cristo – ou na lógica militar de Napoleão, com receitas e slogans pretensamente mais modernos – de preferência em inglês.
A visão do líder como chefe, ou mesmo que lhe chamemos autoridade ou inspirador ou treinador ou coach… ainda permanece nas planícies férteis de entre os rios Tigre e Eufrates. Ninguém evolui ninguém, nem por amor. As pessoas evoluem pelo autoconhecimento. Ninguém treina ninguém para ser líder. Ninguém desenvolve ninguém. Autoridade, vem do latim auctoritas, que vem de augere, e nos lembra algo como trazer à tona, trazer à vista, explorar, garimpar, resgatar… dentro de si, algo como o poder pessoal, a riqueza da individualidade, a centelha divina que mora em cada pessoa. Ser parteiro de si mesmo, do melhor de si mesmo. E isso… é tarefa inalienável, intransferível e sagrada… de cada pessoa. Criar condições para que esse processo aconteça… talvez seja a única coisa que alguém pode fazer por alguém. E a melhor maneira, com certeza, de alguém criar condições para que isso aconteça, é cada um de nós fazer, pessoalmente, esse processo… que dura, pelo menos, a vida inteira.
A luz do ENEAGRAMA
Se não existem líderes, mas apenas pessoas, ou se por trás de cada líder existe um ser humano que carrega dentro de si uma criança divina e ferida, a alma do negócio é entender o ser humano ou, melhor dizendo, o ser humano se entender. Por isso que Gladstone é diferente de Ronaldinho. Diga para duas pessoas: você é o cara! Você se garante! – e o Tipo Três vai sair de peito inchado e nariz levantado espalhando a sua fala nas redes sociais… mas o Tipo Seis vai passar a noite sem dormir, atormentado pelos fantasmas de suas projeções mentais, imaginando significados ocultos e ameaças na mesma frase. Diga para uma equipe de pessoas: vocês não são capazes, vocês não conseguem... e o Tipo Quatro ou o Nove ou o Seis, podem internamente confirmar aquilo que já achavam a respeito deles mesmos, mas o Tipo Oito vai fazer você engolir a sua afirmação, fazendo muito mais do que você falou que ele não conseguiria. Eneagrama vai falar, não é tudo igual, não. Cada tipo tem seus dons, cada tipo sua nóia – assim brinca uma musiquinha de Eneagrama.
Quem sou, de onde venho e para onde vou? E as respostas a essas questões milenares, estão dentro de cada pessoa, no mesmo lugar onde moram as perguntas. Por isso, as respostas vêm de dentro e só cada pessoa as pode encontrar. Ninguém aprende nada a partir de conclusões porque, como dizia Carl Rogers, o único conhecimento capaz de gerar transformações profundas nas pessoas, é aquele autodescoberto. O que vem de fora não atinge o coração e não gera consciência. Só de dentro para fora. Testes e boas palestras, repetir frases de impacto ou livros de autoajuda – que ajudam a conta de quem os escreve, podem gerar conhecimento, lindo até, por vezes… mas não ainda, ou nunca, autoconhecimento e consciência. Transformação… nunca mesmo. Ensine a pessoa a dizer: eu sou o melhor vendedor do mundo! E ela vai repetir isso gritando e vai bater no peito e vai sair do treinamento acreditando nisso. Mas amanhã, quando essa pessoa estiver cara a cara com o cliente e a insegurança bater forte… as pernas vão tremer e a voz vai gaguejar e a pessoa depois vai no banheiro… e a vida segue. Ensine a pessoa a dizer Yes na frente do espelho, de manhã quando acordar e ela vai acreditar que virou uma pessoa de sucesso no treinamento do final de semana. Mas amanhã, a criança ferida dela vai chorar e depois vai aparecer um câncer, como grito de uma dor emocional ignorada e não curada… e aquela pessoa altamente motivada, em breve, será apenas lembrada por uma linda placa no cemitério… e, depois, nem isso. Você pode conhecer todas as técnicas de liderança e dominar todas as habilidades e competências da sua área e ainda ser um ator perfeito para representar os papéis que os manuais do perfil do alto executivo exigem… mas, se você não aprender a lidar com as sombras que estão no seu coração e na sua mente, você continua doente e mais cedo ou mais tarde, terá que pagar a conta por isso. A conta é alta e a vida cobra – com juros altos. Ter um bom diploma e vários anos de experiência, não são necessariamente garantia de um bom emprego ou de estabilidade nele. Além das habilidades técnicas específicas da sua área, hoje, cada vez mais, vão lhe perguntar pelas habilidades socioemocionais. A criatividade aparece no topo da lista onde constam também a capacidade de persuasão, o espírito de colaboração, o pensamento crítico e a adaptabilidade. As habilidades técnicas são específicas, ensináveis e podem ser definidas e medidas. Mas as habilidades socioemocionais, a inteligência artificial dos robôs nunca vai substituir. As pessoas ainda são contratadas pelas suas competências técnicas… e cada vez mais são demitidas pela falta de habilidades socioemocionais. As estatísticas falam que, no Brasil, essa é a causa de mais de oitenta por cento dos desligamentos. Infelizmente ainda, a escola e as faculdades ou cursos técnicos, preparam peças para se encaixarem na engrenagem do sistema… mas não ajudam o aluno a ser pessoa e a descobrir seu dom único e sua forma única de expressá-lo. E as empresas se veem depois perante o dilema: ou investem no desenvolvimento humano de seus colaboradores… ou passam o tempo substituindo peças da engrenagem ou forçando peixes a subirem em árvores. E alguns sobem… destruindo suas vidas.
Não queira especialistas técnicos que não sejam pessoas. Já existem robôs para isso. E se você não quer perder o seu emprego para um robô, não queira ser igual a ele. Não queira ser especialista ou técnico com excelência ou líder ou protótipo de sucesso… sem antes ser pessoa, humana, madura, harmonizada, que se conhece e sabe o melhor de si mesma e tem consciência de suas sombras. Faça isso, não para ser um profissional que se dá bem, mas em primeiro lugar para ser uma pessoa boa e feliz, realizada e consciente da sua missão e seu propósito de vida. O resto… será consequência disso! Querer ser um profissional de sucesso, sem se conhecer, é como querer ser campeão de maratona lendo manuais, sem antes aprender a andar. Cuide do humano que existe em você, cuide do ser humano que você é, cuide de ser o melhor que você pode ser, cuide de fazer o melhor com o melhor de você… e você será o melhor naquilo que você fizer, porque quem ama o que faz e faz isso como missão de vida, se torna excelente e encontra o contentamento interior e a excelência no agir.
Cada pessoa tem seu dom único e seu jeito único de expressá-lo e a felicidade consiste em descobrir esse dom único e colocá-lo a serviço dos outros – lembra Deepak Chopra e assim se impõe cada vez mais clara essa verdade. É o olhar que muda as coisas e a realidade. E o olhar fala daquilo que vem da alma e vê as coisas e a vida com os olhos da alma.
Passava aquele viajante por cidades e florestas, quando avistou homens colocando pedras em cima de pedras. Eram muitos, fazendo a mesma coisa. Parou o viajante e puxou conversa com um dos pedreiros. Perguntou o que ele estava fazendo e a resposta foi direta: estou construindo paredes de pedra. Continuou viagem o caminhante, olhou outras pessoas na mesma lide e, mais na frente, perguntou a outro pedreiro o que ele estava fazendo e a resposta foi outra: eu estou construindo uma catedral.
Andamos pela vida, mas nem todos vivem, porque muitos deixam de viver antes de morrer, quando morre o brilho no olhar. A questão maior não é se existe vida após a morte… mas sim, que tipo de vida levamos antes de morrer ou ainda, perceber o que morre dentro de nós antes da morte chegar. Ou, pior ainda, desperdiçar a riqueza da Essência que nunca chegamos a descobrir dentro de nós, ao longo da vida. Infeliz aquele que passar a vida repetindo, como robô, os mecanismos inconscientes da Personalidade porque, como dizia Jacob François, uma Personalidade não é mais do que um erro permanente. Jung dizia que nascemos originais e morremos cópias. Triste sina a nossa, se assim partirmos desta vida. Mas é isso que acontece quando recebemos gratuitamente a Essência, aquela Centelha Divina que nos foi dada no pacote da nossa existência indiciada e que depois nós deturpamos e distorcemos, com os mecanismos da Personalidade que inconscientemente criamos durante a Infância e reforçamos na vida adulta. Mas podemos mudar esse roteiro rotineiro, se ao longo da vida cultivarmos a Consciência, como lugar interior, a partir de onde podemos ser observadores e testemunhas de nós mesmos, resgatando a nossa Essência com gratidão – porque a vida é sobre o nosso reencontro com a Essência – e a ela juntando o melhor das habilidades que a Personalidade nos ensinou, usando-as de forma livre, quando oportunas e úteis. Partiremos desta vida levando para o Uno de onde viemos, algo mais, contribuindo com o Criador no processo dinâmico da expansão do Amor que move o Uno. A Essência nos foi dada. A Personalidade foi estruturada por nós, mas de forma insconsciente. A Consciência, essa sim, é tarefa nossa, é a nossa missão enquanto andamos por aqui, pois só a partir dela podemos colocar nossa Essência a serviço, comunicando-a, através das habilidades da Personalidade e dos Instintos harmonizados, eles também, apenas harmonizáveis através do trabalho consciente sobre nós mesmos.
É o olhar que dá sentido à vida, às coisas, a tudo e a todos. É o olhar que tudo muda!
O olhar de cada pessoa, como espelho da sua alma. O olhar sobre cada pessoa, procurando ler a sua alma. O olhar centrado na pessoa, no Humano, o olhar de compaixão, por si e pelos outros, em busca do melhor, em busca da Essência que habita em cada Ser. Diz Leloup que Terapeuta, que sempre traduzimos por cuidador, tem na sua raiz grega a palavra Theós, que significa Deus. E então o Terapeuta é aquele que descobre a centelha de Deus dentro de si e ajuda o outro a perceber isso também. Lembra, Leloup também, que na raiz latina da palavra Deus, temos a raiz Dies, dia, que significa luz… e então o Terapeuta é aquele que percebe essa Luz divina em si e ajuda o outro a acordá-la dentro de si. Cada um é Terapeuta de si mesmo. Porque esse poder está dentro. É a presença do Divino, curador e transformador e libertador em cada Ser Humano. Era isso que Jesus despertava em cada pessoa que queria ser curada, ao dizer: a tua fé te salvou.
Temos aqui um novo olhar sobre o treinamento de Liderança. Em vez de treinar líderes, olhar o ser humano e ajudar o ser humano a olhar para dentro de si mesmo, sendo Guru e Terapeuta de si mesmo. Autoconhecimento é o caminho insubstituível. Eneagrama é um mapa, preciso e claro. Navegar é preciso, viver não é preciso – dizia o poeta. A vida é livre, leve e solta, imprevisível e feita de altos e baixos… mas é bom termos mapas precisos que nos ajudem a navegá-la. O Eneagrama ajuda. Um mapa preciso de como cada um é e por que é assim, mapeando lugares dentro de nós mesmos, a partir de onde somos e agimos. Cada Ser Humano é um condomínio habitado por vários Eus. Uma Essência e uma Personalidade, uma Criança Ferida, um Instinto Dominante e outro Reprimido e outro Normal, e um Eu Consciente capaz de observar tudo isso e perceber quem está agindo. O Eu Consciente se torna capaz de reger a nossa orquestra interior e presentear o público com a melhor sinfonia de nós mesmos. Quem está no comando de nós? Quem está na raiz dos meus comportamentos? Quem está alimentando a minha liderança ou a minha participação na equipe, na família, na sociedade? A partir de qual dos meus Eus interiores a minha vida está fluindo?
Esse exercício de autogestão é fundamental. Diz o poema Invictus que inspirou Mandela: não importa o quão estreito seja o portão e quão repleta de castigos seja a sentença, eu sou o dono do meu destino, eu sou o capitão da minha alma.
A ilusão de que a resposta ou a solução vem de fora, dura pouco e quando cai, faz estrago. Tudo está dentro e é de dentro que vem o olhar e é apenas reflexo do interior o que para fora se manifesta. A viagem é para dentro e o caminho é pelas sombras. E todos os outros caminhos são atalhos e, como dizia a sabedoria popular da minha mãe, quem troca caminhos por atalhos, não se livra de trabalhos.
Valorizando o Valor – experiência na Imetame
Ouvi de um magistrado do Tocantins, no final de um curso: o Eneagrama nos ajudou a descobrir que somos muito mais humanos do que pensávamos. Isso é bom de ser ouvido da boca de qualquer pessoa, mas parece que dito por um Juiz, tem outro valor, não por ser Juiz, mas por se perceber mais Humano do que pensava. O Eneagrama nos ajudou a perceber que somos muito melhores do que a gente achava – disse outra pessoa. Somos infinitamente mais do que a vã ilusão que a Personalidade nos faz acreditar que somos, porque a natureza da nossa natureza é a Essência. Numa das turmas da Imetame, alguém disse: cheguei sem saber o que estava fazendo aqui e agora saio sabendo o meu Valor e o meu lugar na equipe. Num trabalho de Desenvolvimento de Equipes à Luz do Eneagrama, no Escritório Regional do Juazeiro – Sebrae/CE, o diagnóstico mostrou o retrato de uma equipe onde a energia prática predominava absoluta, com todas as luzes e sombras que isso traz. Seu João era o único representante da energia racional, Tipo Seis no Eneagrama, há trinta anos na equipe, motorista. Quando ele tomou consciência da riqueza pessoal e da excelência do Tipo Seis numa equipe, quando percebeu o valor sagrado da sua Intuição, ele confirmou: é verdade. Estou aqui há trinta anos. Conheço melhor o Sebrae do que a minha própria casa. Muitas vezes vejo coisas que eu sinto que não vão dar certo e outras coisas que poderiam dar certo. Muitas vezes sinto vontade de dar ideias e sugestões. Mas depois penso: quem sou eu para falar alguma coisa?! Ele entendia agora, depois de trinta anos, o preço que o seu medo de confiar na intuição havia trazido para ele e o prejuízo que esse medo trouxera para a equipe. Dois meses depois, o Seu João, motorista do Sebrae, recebe a gente no aeroporto de Juazeiro, para um novo trabalho com a equipe. Na viagem, ele comenta: vocês não imaginam como eu estou feliz. A minha filha, que está terminando Psicologia, um dia destes até me perguntou: papai, o senhor está tão feliz… o que aconteceu? Aumentaram o seu salário no Sebrae?! E eu disse: não… é mais que isso: eu fiz um curso de Eneagrama e descobri o meu valor e agora a Articuladora Regional me chama e pede a minha opinião. Chegamos no Escritório e o trabalho começou com a revisão das metas estabelecidas no treinamento anterior. E a Articuladora, Tipo Oito, falou assim: estou muito feliz. O clima na equipe melhorou muito. Eu agora, antes de tomar alguma decisão, chamo o Seu João e peço a opinião dele! O Seu João estava lá há trinta anos, mas… quem sou eu para falar alguma coisa?!
Lembro-me de outra menina, bem jovem, Tipo Cinco, a única representante da energia racional numa equipe eminentemente prática também. Sempre me perguntei o que eu estava fazendo aqui e sempre achei que eu que estava errada. Eu olho para a equipe e a minha sensação é que estão todos se afogando em alto mar… e eu vendo, mas ninguém vê. Agora eu percebo que a minha missão na equipe é exatamente essa, de chamar para a pausa, para avaliar e planejar, pensar.
Jeans Yves Leloup nos convida: cuidar daquilo que é bom, em alguém que não está bem. Se continua sendo verdade a sentença de Jung que não há cura sem dor, é bom lembrar a verdade maior: é a partir da Luz que a transformação acontece, pois é a Essência que cura e liberta. Se continua sendo verdade o belo verso de Rumi lembrando que a cicatriz é o lugar por onde entra a luz, também é justo dizer que é a Luz que ilumina as Sombras e faz consciente o que nelas habita. E podemos, de novo lembrar Jung, quando dizia: até que você tome consciência das suas sombras, elas continuarão guiando sua vida e suas ações e você continuará chamando isso de sorte ou azar… porque o ser humano não se torna iluminado imaginando figuras de luz, mas sim, abraçando as suas sombras.
Valorizando o Valor, iluminando Sombras. É o caminho. Um novo horizonte no trabalho de desenvolvimento de pessoas, colocando o foco no Ser Humano e não nas habilidades que um Líder deve ter ou adestrando pessoas para serem o que não são e muitas vezes nunca darão conta de ser, ou de sustentar por muito tempo. Pessoas maduras e tecnicamente competentes são bons colaboradores, porque são boas e felizes e sua ação e comportamento brotam do melhor delas mesmas e não de condicionamentos impostos, das necessidades do estômago ou dos ideais de sucesso a qualquer preço.
Colocar o foco no Ser Humano, a partir do melhor de cada pessoa, recorda a natureza da natureza de cada um, cultiva a autoestima, ajuda a pessoa a apropriar-se do seu valor, apoderando-se e empoderando-se. Porque ninguém empodera ninguém… e, quando vira moda essa linguagem de empoderar, ainda estamos apenas repetindo a cultura de poder que povoa a visão de Liderança desde a Mesopotâmia de há quatro mil anos Antes de Cristo. Ninguém empodera ninguém… as pessoas descobrem o seu poder pessoal e se apropriam dele e isso as empodera. O resto é apenas recurso… o Terapeuta, o Psicólogo, o Coach, o palestrante da moda, o Guru – por mais iluminados que porventura se achem. Talvez o papel de quem se propõe a cuidar de pessoas, seja apenas esse: criar condições para que a própria pessoa mude o olhar, olhando para dentro de si mesma. O resto… virá dela mesma, de dentro para fora, um novo olhar, a partir do novo perceber de seus Valores e de suas Sombras iluminadas. Claudio Naranjo talvez nos inspire a irmos um pouco mais além, como cuidadores: gosto de levar as pessoas até ao abismo, pois tenho fé que elas sabem voar.
Valorizando o Valor é assim um desafio que cada pessoa merece fazer-se, a partir dela mesma, de forma pessoal… porque ninguém valoriza ninguém. As pessoas descobrem o seu Valor e dele tomam posse e assim se empoderam e depois experimentam sua riqueza, colocando a serviço os seus dons únicos e sua forma única de expressá-los.
Experimentamos isso na Imetame. A intuição de Etore Cavallieri e o olhar criativo de Simonelli, sistematizados num processo de dois dias de Treinamento, com pessoas que já conhecem o mapa do Eneagrama, conscientes de sua Personalidade e de sua Essência e conhecedores das energias hierarquizadas de seus Instintos. Valorizando o Valor virou nome de um módulo avançado de Eneagrama, dentro do Caminho Eneagrama Shalom que o IESh propõe, juntando elementos do Módulo de Liderança, de Desenvolvimento de Equipes e de Relacionamentos.
Valorizar o Valor é tomar consciência. Garimpar, apropriar-se e apoderar-se da riqueza humana, das habilidades e competências que cada pessoa carrega dentro de si, para colocá-las a serviço da equipe, da família e da Humanidade. O diamante da Essência – fonte do melhor de nós mesmos, o ouro que vem das habilidades da Personalidade e do Instinto Dominante – usado com moderação, quando as Sombras forem iluminadas, e o ouro daquele Instinto que é Normal – e que por isso carrega habilidades de sobrevivência acumuladas na evolução de todos os seres vivos ao longo de milhões de anos e que pode ser potencializado, junto com as sombras, agora iluminadas, do Instinto Reprimido… formam o tesouro de cada Ser Humano e a fonte de sua realização pessoal e da sua excelência na equipe. Garimpar tudo isso dentro de si mesmo, apropriar-se, apoderar-se e empoderar-se… foi a experiência reveladora e encantadora de cada participante deste Módulo.
Parece estar certa a intuição dos visionários da Imetame, confirmando o texto das Escrituras Sagradas que dizia no Livro dos Provérbios: assim o ferro afia o próprio ferro, as pessoas aprendem umas com as outras. Paulo Freire também aprendeu e ensinou que ninguém educa ninguém e ninguém ensina ninguém. As pessoas crescem em grupo.
E quando, no final, cada um se colocou no seu Ponto da Personalidade no símbolo do Eneagrama e depois caminhou para o seu Ponto de Estresse e depois ainda para o seu Ponto de Segurança e, a partir de cada ponto nomeou e expressou as sensações físicas e os sentimentos… cada um sentiu, literalmente na pele, que todos respiramos a energia que colocamos para fora, recebendo de volta e ampliado, aquilo que compartilhamos. O que damos para o universo, acabamos recebendo e recebemos ampliado. Importa, pois, tomar consciência do lugar de nós mesmos a partir de onde nossa energia brota.
Do Presidente ao operacional, Seres Humanos descobrindo que são muito mais humanos do que pensavam e muito melhores do que acreditavam.
Quando o Eneagrama é trabalhado a partir da pessoa, à luz da Espiritualidade – como Eneagrama Vertical em espirais ascendentes rumo à Essência e a serviço da transformação e libertação das pessoas… no chão Humano e fértil de uma empresa que tem alma, que tem como marca fazer a diferença e como missão contribuir para as pessoas realizarem sonhos, tornando o mundo melhor... aí, então, maravilhas acontecem!
Cabe aqui, o texto lindo onde Roberto Crema diz: como o oposto da Paz é a estagnação, o grande desafio é abrir passagem ao Processo, para que possa revitalizar e renovar nossos pensamentos, palavras e ações, nos impulsionando à superação da violência de uma normose binária da polarização, que sacode a nossa Família Humana, confio nos estertores de parto de uma nova Consciência.
Domingos Cunha