Árvore Genealógica das Emoções

Árvore Genealógica das Emoções

Escavações arqueológicas revelam rios ocultos à plena vista no nosso interior. Basta parar e olhar para dentro. Silenciar e escutar o murmúrio das águas, às vezes correndo em pororoca nos rebuliços da Personalidade, outras vezes deslizando serenas nos remansos suaves da Essência.

Fluxo e contra fluxo, rio abaixo ou rio acima, fluindo ou andando na contra mão ou nadando contra a correnteza. A Lei da Polaridade de Hermes Trimegistro, já dizia que tudo tem seu par de opostos e que os dois polos são idênticos em Natureza e diferentes em grau. É como o termómetro: ninguém sabe onde termina o frio e começa o calor. Por isso tudo pode ser transmutado. Amor e ódio são o par na mesma linha de energia. Só muda a vibração. Virtudes e Paixões no Eneagrama, são a mesma energia e a transmutação pode acontecer, na alquimia da mudança de vibração que a respiração, ela apenas e tão simples assim, pode fazer. Porque o Sopro é divino, liberta e transforma.

A vida é movimento, porque tudo é movimento. Tudo é Sopro, livre como o vento, energia vital ou sutil, Prana ou Pneuma, Amor dinâmico fluindo…espiral, subindo ou descendo.

Estagnação é doença. Água parada cria bicho. Energia estagnada é Personalidade no controle, asfixiando a vida. Essência é energia fluindo livremente, perpassando a gente, sem entraves de emoções bloqueadas. As emoções nunca são como a gente quer, nem como a gente não quer – elas nunca pedem a nossa opinião. Estagnar numa emoção, sufoca e afunda numa vibração mais pesada e a vida se enrola numa espiral ladeira abaixo, resumindo-se a acordar com Prozac e dormir com Rivotril.

Quando você está doente, não há corpo para curar. Há uma memória para perdoar, uma história para agradecer e uma mente para limpar, lembra Bert Hellinger e, podemos nós acrescentar que há uma emoção para identificar e rastrear. As nossas emoções são como elos de uma corrente, que se repetem em espiral afundando, até que em algum ponto tomemos consciência e sejamos capazes de transformar maldição em benção, invertendo o fluxo de energia. Economize energia, usando a sua própria luz, entrando em sintonia com o fluxo das leis sagradas que regem a vida em tudo e em todos e em nós também, porque somos todos Uno. Descubra a si mesmo, senão você dependerá da roleta russa das suas emoções. Como dizia Jung, enquanto não tomarmos consciência dos nossos mecanismos inconscientes, eles continuarão determinando a nossa vida e nós vamos continuar chamando isso de sorte ou de azar. Seja você mesmo, mas nada seja sempre o mesmo. Por onde os outros passarem, nos passaremos também é de ninguém tiver passado ainda, sermos os primeiros. Conhece-te, aceita-te, supera-te – dizia Santo Agostinho.

Falemos de trilhas interiores, ou de labirintos. Arqueologia interior. Lembro a notícia da restauração de uma Igreja histórica em Salvador: quando rasparam a primeira camada de tinta do altar, apareceu outra pintura mais antiga, mas ainda não a primeira. E assim foram raspando camadas e camadas de tinta… até chegarem na camada original, de talha dourada. Camadas e mais camadas de tinta recobrem e escondem a natureza da nossa natureza. Emoções sobrepostas que disfarçam a beleza das origens. A arte da restauração interior é a aventura de descobrir camadas e mais camadas de emoções.

O Mapa do Eneagrama foi primeiro o mapa das estrelas, nos céus de Alexandria. Tornou-se mais tarde também o mapa das mudanças que acontecem na Terra, para depois ser também o itinerário de nossos estados emocionais, porque nós somos poeira cósmica do firmamento e correm em nós os rios das energias que fluem nas veias da Terra. Somos todos, com tudo e todas as coisas, farinha do mesmo saco que é o universo. Os nove estados emocionais que o Eneagrama nomeou, a partir das listas de Evágrio e João Clímaco, constituem em nós espirais de energia, ascendentes ou descendentes. Chamaram-lhe Pecados, porque nos fazem errar o alvo ou desviar da Essência. Também lhes deram o nome de Vícios ou Paixões, Demônios ou Diabolos – aquilo que divide.Todos eles dominam o ser humano, embora em cada pessoa haja um que é o principal e que urge descobrir, para nele concentramos o nosso trabalho, dizia Evágrio. Daí nasceu a expressão Pecado Capital – de  capita, cabeça, aquela paixão que se tornou a cabeça de todas as outras, a líder, chefe da quadrilha. Todos temos as nove Paixões, mas em cada pessoa tem uma que assume o comando e subjuga as outras. Não havia, na tradição do Deserto, qualquer vestígio de avaliação moral – isso veio mais tarde. Era apenas uma visão terapêutica da alma humana, a constatação de que somos assim e assim funcionamos e são essas Paixões que nos deixam cegos e nos afastam da Essência divina em nós… mas que são também o caminho de volta que nos re-liga à Fonte. Temos então uma Paixão de estimação, que desde a infância cuidamos mais e nela estagnamos e é ela que está por trás de todas as nossas atitudes, a energia emocional que nos move, inconscientemente. Os gregos chamam-lhe Pathos e traduzimos isso por doença. Do Latim, Passio, foi traduzida por Paixão que significa sofrimento. Na linguagem popular dizemos que a pessoa apaixonada, fica cega…mas logo recupera a visão quando casa. Olhar distorcido que nos cega a respeito da realidade, estado de sofrimento que adoece emocionalmente e depois o todo. Achamos, desde a infância, que determinado estado emocional nos era mais favorável, nos rendia ganhos ou garantia aprovação dos adultos. Ficamos viciados nisso e repetimos frequentemente essa vibração emocional. A mosca que caiu no copo de leite, ao sentir-se afundando, bateu as asas desesperada e o leite criou nata e a mosca sobreviveu subindo na nata. No dia seguinte a mesma mosca caiu no copo de água e quando sentiu seu corpo afundando, agora já sabida, bateu as asas com força… e afogou-se. Aquela emoção que um dia nos salvou, outro dia nos afundou e nos fez errar o alvo.  Mas repetimos, mecanicamente e sempre, cada vez com mais frequência e com mais excelência. Tornou-se uma trilha neural de estimação, uma sinapse privilegiada, que na vida adulta chega a ser quarenta vezes mais rápida que as outras. É essa a pista dupla iluminada que criamos no nosso cérebro e que comanda nossas respostas e reações inconscientes, porque já não dá mais tempo de parar e pensar, em cada momento, qual é a resposta emocional adequada. Mas existe também a neuroplasticidade, como possibilidade de arqueologia interior que nos permite resgatar outras trilhas cerebrais. Cada emoção é humana, legítima, oportuna e necessária, para responder a cada situação diferente da vida. É tão Humano e tão legítimo o Amor quanto a Raiva, porque há momentos onde é mais necessário sentir Raiva que Amor. O Humano saudável é deixar vir e deixar ir cada emoção, no momento certo e na intensidade oportuna e assim, de emoção em emoção, entrando e saindo, vamos percorrendo a escala musical de nossa orquestra interior. Não presta mesmo é quando estagnamos numa emoção e queremos com ela dar resposta a todas as situações. Doentio é quando permanecemos presos na energia de uma emoção, mesmo quando ela não é mais necessária ou ainda não é oportuna. É bom sentir medo quando o pitbull pula o muro do quintal do vizinho e nos surpreende no caminho, porque precisamos dessa energia para correr ou subir na árvore. Mas adoece a gente, estar no quarto imaginando que o pitbull vai entrar pela janela e o nosso cérebro jogando na corrente sanguínea as mesmas substâncias do medo. Seja você mesmo mas não seja sempre o mesmo. Não seja sempre raiva, quando você pode ser também serenidade e inocência, ou medo ou coragem às vezes. Ken Wilber diz que  o ser humano é tanto mais maduro quanto consegue se colocar em mais pontos de vista… e Nelson Mandela acreditava que a pessoa madura é aquela que consegue dar respostas diferentes em situações diferentes. As emoções não são boas nem más, como a educação e a religião nos fez acreditar. Elas são adequadas ou não, oportunas ou não, necessárias ou não. E todas são humanas. O que fazemos com elas é que pode ajudar ou adoecer, prejudicar ou ajudar, a nós mesmos e aos outros. Energia estagnada adoece, energia fluindo é vida. Há três coisas que matam, quando são guardadas ou retidas: fezes, urina e emoções. E emoções matam mais, silenciosamente, ou às vezes de repente. Jogue a emoção na correnteza da respiração… e ela se torna energia saudável fluindo em você, em sintonia como Sopro divino que perpassa, liberta e transforma.

Mas não são aleatórias, as emoções, porque elas também não jogam dados, como o Universo de Einstein. Há leis regendo o fluxo dos estados emocionais, as mesmas leis divinas que regem os astros no firmamento e as dinâmicas da vida no mundo.

O insano reclama do vento e o sábio ajusta as velas. Importa saber a direção do vento, para ajustar as velas e aproveitar a energia a seu favor, no rumo do sentido da vida que se escolhe viver. O mesmo vento que afunda a jangada, também leva o jangadeiro onde ele quer, quando ele sabe do rumo dos ventos. E não há vento favorável para quem não sabe onde quer chegar.

 

Espirais Descendentes

A LEI DO UNO  nos fala de um estado originário e original, o Paraíso de onde viemos, o estado de comunhão e harmonia, onde não há alteração emocional, pois permanece a impassibilidade, como postura imperturbável de plenitude é satisfação, contentamento e inteireza – o Estado de Essência. Esse Paraíso, saudade ou esperança, mais ideal do que somos chamados a ser do que aquilo que perdemos, nos une antigo e a todos, num estado indiferenciado.

A LEI DO TRÊS  explica para nós como esse estado original se mantém e permanece, pelo equilíbrio das três energias. Uma força ativa, geradora e criadora é uma segunda força, passiva e receptora. E a terceira força, transcendente, que equilibra, neutraliza a tensão e reconcilia. As três força

As da Criação Divina… o que Gurdjieff revelava ou explicar:  afirma, nega, reconcilia  e aquilo que Rumi fundamentava ao dizer que ara além do certo e errado, existe um campo sagrado. Podemos falar aqui entre nós do equilíbrio entre a energia visceral da ação, a energia emocional e a energia racional. O triângulo da Trindade Sagrada, a energia seminal do Pai Criador, a energia do Filho que consigna a compreensão do Projeto e o cumprimento da missão… e a energia amorosa do Espírito eu une o Pai e o Filho e gera beleza, leveza, ternura e encantamento. Vivíamos aí, nessa comunhão plena.

Mas um dia, por iniciativa do Amor Divino de quem é próprio expandir-se por ser Amor Dinâmico, iniciamos a nossa jornada a solo, saindo do estado de comunhão e, inevitavelmente confrontando-nós com a experiência do limite e da carência. Se antes tudo era absoluto e gratuito, o Amor, a Poteção e a Valorização, mais cedo ou mais tarde vamos quebrar a cara sentindo que falta Amor, ou falta Proteção, ou falta Valorização.

Saímos então do Círculo da Totalidade do Uno e da Harmonia da energia em equilíbrio do Triângulo original… e iniciamos um itinerário, também ele triangulado, percorrendo a jornada do esquecimento.

No Ponto Nove, experimentamos a desconexão do Uno, o esquecimento de quem somos, a separação da natureza da nossa natureza. Perdemos a consciência de quem somos e assim também do nosso valor, porque o valor nos vem der amados e sermos Amor. Desconectados, experimentamos a Sensação de Não Pertencer, de não ter lugar nem chão, de sobrar. Aqui entramos em contato com a Sensação de Insignificância e a emoção da Raiva, pelo não reconhecimento, emerge de nosso cérebro visceral ou réptil.

No Ponto Seis, nos sentimos sozinhos, desprotegidos e inseguros, incapazes e ansiosos. A Sensação de Incapacidade toma conta e paralisa, e o Medo surge do mais profundo das energias viscerais de sobrevivência. Aqui começamos a fazer projeção de cenários, como mecanismo de antecipar o futuro, na tentativa de amenizar a ansiedade. Pojetamos identidades… quem serei eu, como serei aceito, como poderei me sentir seguro ou protegido? Ativamos aqui a nossa fábrica de fantasmas cerebrais.

No Ponto Três, sentimos a angústia e o desespero de não saber quem somos e estamos sozinhos e com medo… e aqui inventamos de vestir uma das projeções anteriores, como nossa identidade. Começamos a representar um papel e percebemos que isso funciona. Traz aprovação, atenção, afeto ou proteção ou reconhecimento. E aí estagnamos e com essa máscara nós identificamos, pois é melhor ser alguma coisa do que não ser nada, mesmo que não seja verdade o que acreditamos ser. É aqui que começa o nosso olhar para fora, para o que vem de fora… e esquecemos a fonte que continua dentro, porque nós acreditamos sós, ao sair do Uno. Esquecemos que o Uno veio junto e permanece dentro. E a partir de agora vamos passar a vida mendigando dos outros e das situações e do mundo… Amor, Segurança e Valorização, porque esquecemos que somos tudo isso em abundância. Dizia Fernando Pessoa: fiz de mim o que não soube e o que podia fazer de mim,  não o fiz. Conheceram- me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me. Quando quis tirar a máscara, estava pegada à cara.  Aqui começou também a nossa angústia de atores, fingindo ser o que não somos, mendigos satisfeitos com as migalhas de amor, com as bengalas de falsas seguranças ou com as ilusões de autoafirmação ou aprovação externa. A tristeza é a emoção que aqui cresce e dá fruto e gera ansiedade e insatisfação sem fim, porque o que vem de fora ao preenche jamais. Experimentamos aqui a Sensação de Não sermos Amados, a carência e a ansiedade, como ânsia de receber amor e atenção.

E assim entramos na primeira espiral descendente, num triangular tonto e desconexo, saltando de um vértice para o outro do Triângulo, ora absolutizando o fazer, outras vezes dominados pelos fantasmas  mentais, ou então mergulhando nas areias movediças das emoções. Absolutizamos cada energia… tentando encontrar em cada uma, Isoldamente, a solução… só possível no equilíbrio das Três.

A LEI DO SETE nos espera aqui e nela entramos na espiral descendente, de emoção em emoção,  com vibrações cada vez mais pesadas, que desestruturam nosso equilíbrio energético, emocional, psíquico e físico. Evágrio, aquele gênio da alma humana que recolheu a sabedoria feita de meditação de tantos mestres observadores de si mesmos, foi sublime ao desenhar a trajetória da sequência dos Estados Emocionais.

Sentimos Raiva e tentamos controlar essa energia e ficamos estagnados nela. Estamos no Ponto Um da Hexade. Mas, como toda a emoção é energia e se movimenta, acabamos caindo na Tristeza Profunda, indo para o Ponto Quatro. Pessimismo, sem sentido, doce tristeza, desencanto e autoabandono, ou até decadência mórbida. E daí vamos para o Ponto Dois, onde caímos no Azedume – expressão rica de Evágrio, como cheiro de azedo, mágoa, amargura, ressentimento. O cheiro de azedo que vem da panela que não foi limpa ou o azedo da azia do que não foi digerido. É o subproduto daquela Raiva que foi guardado. Mas, se aí permanecermos, abamos caindo, de degrau em degrau, na Agressividade. Já estamos no Ponto Oito. A agressividade explícita, que ataca e fere, machuca e afasta. E quando permanecemos muito tempo nesse estado emocional, acabamos ficando sozinhos, pois ninguém nos aguenta e nós fechamos, acuados e entrincheirados, em nós mesmos. Descemos então mais um nível na espiral e caímos no Ponto Cinco da Hexade. Isolamento emocional, frieza mental de calculismos e fantasmas, perdidos em teorias fantasmagóricas e calculistas significados ocultos. Isolados do corpo e das emoções, refugiados na mente acelerada e dona da verdade, acabamos depois caindo no Ponto Sete, onde nos perdemos nos múltiplos planos mentais, como estratégias de fuga do sofrimento e busca do prazer. Mas… quando fazemos muitos planos, não conseguimos executá-los e aí vem a frustração e a Raiva, porque toda a raiva nasce de um desejo frustrado. E aqui estamos nós de volta ao Ponto Um, uma oitava mais abaixo, afundando nas sombras cada vez mais pesadas dos nossos porões… e assim continuaremos, se nos deixarmos levar abismo abaixo,  uma espiral de autodestruição, que do Nobel emocional passará inevitavelmente para o corpo físico e pata o todo que somos.

Cada emoção não nasce do nada e não é aleatória ou obra do acaso. Cada Emoção tem uma mãe é uma filha, tem uma avó e uma neta. Assim como na medicina tradicional chinesa, cada órgão doente tem um pai é um filho.

A  Consciência – e somente ela, nos permite aqui estancar essa sangria desenfreada de energia vital e nos permite empreender o caminho de volta.

Temos aqui um profundo Mapa Terapêutico. Identificar o Ponto em que a pessoa está, dar nome ao Estado Emocional onde se estagnou, é o primeiro passo, fundamental. Depois disso, vem um trabalho de autoinvestigação, perguntando o nome da mãe e da avó dessa Emoção. Quando acordo e me percebo num estado de Tristeza Profunda, independente do meu Tipo de Personalidade, porque tudo isto é geral e comum a todos os seres humanos, preciso me perguntar qual foi a raiva que me dominou nos últimos tempos. Respiro essa Raiva e depois me pergunto qual foi a Expectativa Frustrada que gerou essa Raiva… e aí respiro de novo… e assim, de emoção em emoção, vou percorrendo a árvore genealógica que existe no meu coração, rumo à nascente desse rio de energia  que em mim flui.

Porque, se assim não for, a energia em desequilíbrio nos levará, ladeira abaixo,  uma espiral descendente que nos afunda nos abismos das sombras da morte.

 

Técnica do Porteiro

Cabe aqui trazer aquele que foi talvez o segredo maior que a Geração do Deserto nos deixou. A Técnica do Porteiro. Diziam os monges primeiros do cristianismo, usando metáfora de suas lides diárias, que era bom haver um Porteiro no Mosteiro, a fim de evitar que qualquer estranho chegue a qualquer hora e invada, mate e saqueie. Assim, diziam eles, precisamos ser porteiros de nós mesmos, para que as emoções nãos nos surpreendam e nos destruam ou saqueiem a nossa energia e a nossa paz interior. A toda a hora as emoções chegam na nossa porta, sem se fazerem anunciar. O Porteiro recebe a visita, pergunta pelo nome e pergunta de onde vem e o que pretende.  Faça isso com as  suas emoções – diziam os Sábios do Deserto. Quem és?  O que é isto que estou sentindo?   Dar nome à Sensação-emoção. Só isso, dizia Evágrio, será suficiente para que a Emoção perca a força. Dar nome, conhecer a espécie de emoção ou vício, identificar… isso já é um passo fundamental. De onde vens?  Saber a origem,  como tudo começou, como se manifestou e como evoluiu. O que queres? É oportuno, neste momento e nesta situação? O que essa emoção vem fazer aqui e agora?  Dar nome – personificar – conversar. Eis a técnica, o maior segredo do Deserto, para lidar com as Emoções. Senta-te, lembra-te de tudo quanto aconteceu, como começou, como prosseguiu, em que lugar foste exatamente atacado pelo espírito da luxúria, da ira ou da tristeza, é como tudo aconteceu e procura saber exatamente e guardar tudo na memória para que, quando o pensamento voltar, saibas desmascará-lo – dizia Evágrio. Um exercício Terapêutico simples e profundo, de plena atenção e observação das emoções. Antão, outro Sábio do Deserto, dizia ainda: quando ocorrer uma aparição (quando surgir uma emoção, quando ela aparecer…)  não te acovardes logo, mas pergunta primeiro, com ousadia, de que espécie ela é: quem és e de onde vens? Se se tratar de uma visão demoníaca (demônio –  daimon – energia, Paixão, Vício emocional, Pecado…) logo ela perderá sua força, pois é um sinal de tranquilidade da alma quando simplesmente se pergunta: quem és e de onde vens?  A Consciência traz a tranquilidade emocional e nos permite pertencer livres em relação à enxurrada da energia no turbilhão da espiral descendente. Chamavam apatheia a esse estado emocional, onde a pessoa nao deixa de sentir as emoções, mas consegue ficar livre em relação à elas. Continua Evágrio dizendo que uma prova da apatheia  é quando a razão começa a ver sua própria luz , quando frente às imagens da fantasia ela permanece  em repouso e olha as coisas com tranquilidade.

Ser Porteiro de si mesmo, na atenção plena, acolhendo as emoções, sem julgá-las, para depois conversar com elas, como se conversa com um outro eu. E assim nos tornamos observadores e espectadores do movimento que acontece dentro de nós. Se é certo que não podemos para a tempestade, também não precisamos correr atrás do vento e podemos certamente permanecer em paz até que a calmaria  volte.

 

Espirais Ascendentes

O Eneagrama também nos mostra itinerários de espirais ascendentes. Quando em algum ponto da Hexade conseguimos exercitar a presença, a Consciência do momento presente e nos tornamos Porteiros de nós mesmos e conversamos com as emoções, encontramos aí um verdadeiro Ponto de Mutação. Podemos chamar também Ponto de Metanoia, que, ao pé da letra significa mudança de direção. Tomando consciência que estamos no rumo descendente, podemos reverter o fluxo. E de novo invocamos a sabedoria de Evágrio para com ele fazermos o itinerário da Luz. Se tomamos consciência que estamos estagnados na Raiva e, conscientemente nos deslocamos para o Ponto Sete, buscando algo que seja prazeroso e agradável, algo que nos ajude a relaxar, a Raiva dilui a clareza da razão irá tomando conta de nós. Estaremos então no Ponto Cinco Roque, se a Raiva nos deixa cegos, a compreensão mental clara nos ajuda a entender e ver sentido. E quando conseguimos ver as coisas com clareza, podemos agir com assertividade, segurança e determinação – a energia do Ponto Oito. Agindo com assertividade, nossa ação se torna útil, para nós mesmos e para os outros – já estamos no Ponto Dois. No Ponto Quatro, nós percebemos especiais, percebendo que aquilo que fizemos foi útil e bom. E quando nos sentimos especiais e únicos por aquilo que fazemos, sentimos o impulso para continuar fazendo isso como missão de vida – estamos de volta ao Ponto Um da Hexade, uma espiral acima, na direção da luz, e assim sucessivamente.

Experimentamos assim que a resposta está no Ponto seguinte e a cura da emoção está na frente do nosso nariz, literalmente, quando nos permitimos respirar a emoção seguinte.

Assim encontramos o equilíbrio emocional mínimo, que nos permite sair da montanha russa das emoções em espiral descendente.

Aqui conseguimos enfim tomar consciência de nós mesmos. Aqui olhamos para nós, para dentro… e começamos a desconfiar que não somos o que pensávamos ser. Perceber o que eu não sou. O que não é eu. Perceber o abismo entre a máscara e o interior vazio. A mentira falada para fora e acreditada até por mim… e falta de identidade que grita por dentro. Caímos de novo na angústia e nos desespero de não saber outra vez quem somos. Cair em si, porque ainda é o melhor lugar para se cair. Consciência é isso. Descolar-se da máscara, mesmo sem saber ainda o que se é, porque saber agora que não se é o que durante tanto tempo se a acreditou ser. Estamos no Ponto Três do Triângulo central, iniciando o caminho de volta para casa, onde a saudade nos levará.

Quem sou eu afinal? É a pergunta que bate agora, angustiante. A diferença agora é que a resposta passa a ser buscada dentro. E quando olhamos para dentro, nós descobrimos novamente sozinhos. Vem o medo e os fantasmas, a Sensação de Incapacidade outra vez. Mas estamos na trilha. A viagem é para dentro e o caminho é pelas sombras. Aqui entramos no castelo do silêncio, onde habitam todas as respostas. Aí permanecendo, percebemos que não estamos sós. Como dizia Tomás de Aquino, quanto mais eu vou ao encontro de mim, mais eu descubro dento de mim, um Outro que não sou eu mas que, no entanto, é o fundamento do meu existir. Assim recuperamos a autoconfiança, a certeza de que alguém maior do que nós, está conosco e nos sustenta. Estamos agora no Ponto Seis. A compreensão de que não estamos sós, nos levará à tranquilidade do Ponto Nove. Aqui experimentamos, no  estilo de vida meditativo, que esse Alguém que esta conosco, não apenas nos protege e sustenta, mas também nos ama e somos Um com Ele.

E assim redescobrimos nosso valor, a amorosidade que nos dá valor divino e aqui reexperimentamos a união, a comunhão, a benção do Uno.

Ninguém subiu ao céu senão aquele que desceu do céu – diz João, 3, 13 e  na Carta aos Efésios se diz que aquele que desceu é também  que subiu acima de todos os céus. (Ef. 4, 10). Esse movimento, referente à Jesus como protótipo do Humano, é também o itinerário espiritual que a tradição cristã nos propõe.

Subir e descer, descer e subir… porque somos movimento é o movimento é a nossa condição natural e o importante não é onde se está… o importante não é saber onde se está!

 

Domingos  Domingos Cunha